O
ser humano é regido pelo medo. Não fazemos isso por medo daquilo. Temos medo da
fome, das doenças, de animais, do tempo, da morte, das proibições impostas e
assim vamos tocando nossas vidas e criando nosso mundo. O medo foi o
"motor", a emoção que mais provocou e provoca mudanças nos
comportamentos. O medo pode ter motivo natural, com causa e feito bem explícito
ou pode ser de origem sobrenatural, o que implica no surgimento de lendas e
mitos e, o mais importante, uma forma de controle de atitudes.
Utilizando
esse medo, "espertos" com interesses lucrativos passaram a controlar
as atividades do povo, pois as causas naturais, que no momento eram
inexplicáveis, passaram a ser provocadas por deuses ou demônios que tinham sido
contrariados de algum modo e, portanto, a única maneira de acabar com o
sofrimento era através de súplicas a esses seres sobrenaturais, chegando ao
cúmulo da realização de sacrifícios de animais e até de seres humanos.
Obediência
era e é fundamental. É mais fácil ter o controle pelo medo do que pela razão.
Uma criança fica mais fácil de ser manipulada se tiver medo do bicho-papão e
dos outros tipos de monstros que puderem imaginar. Esses espertos passaram a
ser mediadores entre os demônios, os deuses e o povo, criando os rituais para
entretê-los, com simples mágicas que se tornavam milagres.
Com
o poder "divino" nas mãos, alguns "espertos" passaram a
obrigar o povo a fazer o que quisessem, mantendo um comportamento de
"ovelhas", aceitando e obedecendo as "leis" de livre e
espontânea vontade e, além de tudo, devendo ficar felizes em fazer a vontade do
"divino" e, consequentemente, ficar em paz com sua crença. Quando
algum representante do céu não era tão "esperto" e ineficiente quanto
à sua "inspiração divina", os líderes locais logo botavam a culpa no
demônio e arrumavam uma forma de substituí-lo ou curá-lo do mal demoníaco.
Essas forças inimagináveis do poder formaram uma aliança entre a política e a
religião.
Nada
melhor do que acreditar que a rebeldia contra uma autoridade é uma rebeldia
direta contra Deus. Portanto, é aconselhável ter um Deus social que pune e
recompensa, apoia, auxilia, nos conforta em tempos difíceis e nos protege
quando estamos em perigo. Esse Deus tanto pode ser pessoal, como tribal ou pode
incluir até grande parte da humanidade.
O
medo da morte é outra grande arma para as religiões, simplesmente, porque todos
um dia vão morrer. A morte é o preço da vida, mas ninguém quer morrer se
agarrando até as suas últimas amarras na esperança de vida, sendo o mais puro instinto
natural entre os animais. Se considerarmos a razão, acho que somos os únicos
animais que sabem que vão morrer e, desta forma, o medo anda pelos nossos
arredores. Essa consciência de morte é usada na maioria das religiões com uma
promessa de uma "vida" após a morte. Como o ser humano tem uma
imaginação fértil, quando acredita em algo, tem o poder de criar as formas mais
incríveis de realidade, com inúmeras ideias sobrenaturais em relação ao
pós-morte. Afinal, como justificar um Deus todo poderoso e bondoso, criador do
céu e da Terra se não inventarmos uma saída para a vida após a morte? E para
que Deus seja bondoso, como queremos que seja, precisamos inventar um local
perfeito com toda a expectativa humana de felicidade, um céu.
Agora,
com um céu nos esperando, temos que nos manter "dentro da linha"
imposta por certos grupos dominadores, os possuidores da "inspiração
divina", para orquestrar os nossos destinos. Surgem imposições e leis que
passamos a seguir sem questionar porque não queremos desagradar o Divino,
entretanto, alguns mais cultos que pensam diferente começam a botar suas
"mangas de fora" e são logo combatidos como uma praga na lavoura ou
aquela "laranja podre no saco". Esses hereges, que apenas
apresentavam uma linha de pensamento contrária ou diferente de um credo ou
sistema, passaram a ser perseguidos e castigados para exemplo dos demais. Esses
deviam queimar nos "quintos do inferno".
Se
eu pedir para você pensar no inferno, tenho certeza que vai imaginar um local
escuro, cheio de chamas e com muito sofrimento das pessoas pecadoras.
Entretanto, não existe inferno de fogo literal, lugar de tormento eterno para
onde vão os maus. Quando a Bíblia menciona inferno, nada mais é do que a
própria condição da morte. Romanos 6, 23 diz: "Pois o salário pago pelo
pecado é a morte". Entretanto, grupos religiosos radicais precisam adotar
esse medo e mantêm o inferno como punição para seus crentes pecadores.
O
conceito sobre o inferno de fogo começou a ser adotado pela Igreja Católica,
principalmente, a partir do segundo século do tempo cristão e gerou muita
discussão, quando Justino, Clemente de Alexandria, Tertuliano e Cipriano
acreditavam que o inferno era lugar de fogo. Orígenes e o teólogo Gregório de
Nissa achavam que o inferno era lugar de separação de Deus, com sofrimento
espiritual. Agostinho de Hipona, por outro lado, sustentava a ideia de que o
sofrimento no inferno era tanto espiritual quanto físico, sendo o conceito que
passou a ser aceito.
Mesmo
com tanta discussão sobre o castigo aos pecadores, ou melhor, daqueles que não
seguiam as regras impostas, somente por volta do século V o inferno passou a
ser a grande ferramenta para devorar os infiéis e somente nos séculos XVII e
XVIII o inferno passou a ser um lugar de tormento. Um bom exemplo desse medo
pode ser notado quando o pregador protestante Jonathan Edwards aterrorizou o
coração dos colonos americanos no século XVIII com a descrição vívida do
inferno, utilizando o medo para poder doutrinar e dominar.
Esse
é o medo, condição imposta para manter sob tutela as pessoas simples que apenas
precisam de mitos e lendas para justificar suas próprias sobrevivências. Tenho
certeza que o messias dos cristãos, Jesus, e seu pai não tinham essa
preocupação e não poderiam criar locais de sofrimento eterno. Com todo o poder
de Deus em suas mãos, como pensar em punir? Era só mandar e mudar as pessoas.
Não posso imaginar um Deus sádico, embora muitas seitas pentecostais atuais
adotem essa postura para continuar tendo suas "ovelhas" sob tutela.
Outro
fato interessante é o pensamento discordante em outras religiões. A Bíblia
ensina haver um local de tormento para onde irão aqueles que desobedecem a Deus
e sua palavra, o local onde satanás ficará preso por mil anos (Apocalipse 20,
2). Essa é uma postura unilateral da visão cristã, entretanto, muitas religiões
acreditam em formas diferentes de punição e o medo continua. Essas diversidades
de pensamentos são indícios de não existir uma única verdade. Quem está certo?
Se você segue o que mandam os cristãos, pode se dar mal em outro lugar,
portanto, se existe só um Deus, como criar e administrar tantas diferenças?
A
verdade é que sempre vai existir um povo com medo e necessitando ser comandado
por aqueles mais espertos que impõem suas vontades para o interesse particular
de alguns. As seitas que surgem atualmente são rigorosas quanto às obrigações
dos crentes. Os medos impostos são necessários para a "felicidade"
desses fiéis que acham que, cumprindo o que mandam, estão satisfazendo a
vontade de Deus. Aqueles que se libertaram dessas doutrinações ou nunca
participaram delas, assistem de camarote e sem medo o desenrolar dessa fantasia
ao longo dos séculos.
Edson Perrone
ecperrone@gmail.com
- VOLTAR -
Nenhum comentário:
Postar um comentário