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As Cruzadas

         Nos meus artigos publicados no blog Dogma, no livro "O outro lado da moeda" e, agora, no blog Paradigma venho mostrando, com vários exemplos, como as religiões impuseram suas vontades unilaterais radicais e abusaram de maldades em um povo simples e cheio de fé. Entretanto, é importante registrar que muitas pessoas que tiveram essas atitudes, as fizeram porque acreditavam que estavam fazendo o certo, o bem. Com seus dogmas e princípios moldados dentro de conceitos inflexíveis, o seu modo de pensar era, portanto, o único correto e todos os outros estavam errados e, em muitos casos, deveriam ser obrigados a mudar de opinião.
            Um dos maiores exemplos do radicalismo religioso foram as Cruzadas, onde tropas ocidentais foram enviadas à Palestina para recuperarem a liberdade de acesso dos cristãos à cidade sagrada de Jerusalém que tinha sido tomada pelos turcos seljúcidas em 638.
          Tudo começou quando chegou ao papa um pedido de ajuda do império cristão bizantino, da cidade de Constantinopla, que estava preocupado com a expansão muçulmana na região. É importante registrar que o islã já dominava a Península Arábica, o norte da África, a Ásia Central, Espanha, Portugal, grande parte da Índia e um pedaço da China.
A resposta dos cristãos veio por intermédio do papa Urbano II que convocou a primeira Cruzada em 1095, estimulando a população a participar da grande jornada para receber, como recompensa do céu, o perdão de todos os pecados cometidos durante a vida inteira e um lugar no paraíso. A reação foi imediata, com gritos de “Essa é a vontade de Deus” e todos os tipos de gente, de camponeses até pessoas ricas, ficaram motivados a participar da grande aventura. Aqui podemos notar a força da Igreja perante o povo, bastando o papa dar o perdão e tudo estava resolvido e o pior, poderia cometer qualquer tipo de pecado que já estaria perdoado. O verdadeiro interesse do papa era montar um exército forte e resolver o problema político da expansão do Islã, mas acabou formando uma população de fanáticos estingados por pregadores locais a lutar contra os infiéis e pilhar tesouros lendários.
A primeira Cruzada foi um fiasco. Pedro Eremita era o líder dos cristãos e, ao chegar aos arredores de Jerusalém, ordenou que a tomada da cidade fosse ao estilo da queda de Jericó, ao som de cornetas, evocando o céu em procissão, ao redor da fortaleza. Assim foi feito e após várias voltas ao redor da cidade e com muita gozação dos muçulmanos que assistiam das muralhas e não entendiam o motivo daquela ação feita por pessoas desarmadas e malvestidas. Nenhuma poeira levantou, nenhuma pedra caiu e os cristãos desapontados interromperam a ação inútil. Vendo que o céu não estava com vontade de ajudar, decidiram montar armas convencionais. A luta contra os infiéis fracassou e muitos cristãos e alguns turcos perderam suas vidas em nome de um ideal religioso ridículo.
            A segunda Cruzada, realizada em 1099, deu certo. Foi organizada pelos franceses com nobres e seus exércitos equipados, treinados e com interesses muito além da fé, principalmente os filhos de nobres que não eram primogênitos e, portanto, não herdavam grandes coisas, passando a usar a cruz no peito que os identificavam como cavalheiros cristãos. Munidos com a fé em obter benefícios, marcharam em direção a Jerusalém. No caminho passaram pelo sagrado e lamacento rio Jordão, onde Jesus Cristo foi batizado e observaram as inúmeras capelas com "supostas" relíquias religiosas que estimulavam os Cruzados, como um pedaço da Arca de Noé e o lugar onde foram feitos os pregos da crucificação. Não poderia existir dúvida, Jerusalém era a Terra Santa e teria que sair das mãos dos infiéis.
Os habitantes da cidade de Jerusalém eram pacíficos judeus e, sob o ponto de vista dos cristãos, eram os terríveis infiéis que manchavam a Terra Santa e não poderiam ser perdoados. O governante muçulmano não acreditou no poder da segunda invasão dos cristãos, achava que era mais um bando de loucos que estavam chegando e não deu atenção, foi o seu erro. Com a tomada da cidade, todos os árabes habitantes foram cruelmente exterminados e os judeus queimados vivos dentro do templo de Salomão. Quem respirasse era morto, até os animais domésticos foram sacrificados. Acredita-se que entre 6 e 40 mil pessoas foram mortas nesse episódio cruel. Com o radicalismo religioso à flor da pele, os cristãos acreditavam que eram vingadores celestiais com o direito sobre a vida e as posses dos que morreram.
            Como podemos observar aqui e em vários exemplos de nossa história, religião e poder estavam sempre juntos. Para se obter o poder bastava usar a religião como arma. As Cruzadas tinham interesses maiores e a religião foi apenas o motivo de convencimento do povo. O grande interesse eram as terras ricas do oriente e a ampliação do comércio, enriquecendo, principalmente, os cavaleiros cristãos, a Igreja e os donos de embarcações do Mar Mediterrâneo.
            Atualmente, a vergonha dos cristãos é tanta que, em visita à Terra Santa em celebração pela passagem do segundo Milênio do Cristianismo, o papa João Paulo II pediu perdão aos judeus e muçulmanos pela Igreja Católica ter, há 900 anos, instigado a Cruzada que terminou por produzir um terrível massacre da população civil judaica e árabe de Jerusalém, por parte dos cavaleiros cristãos.

            No ano de 1187, os muçulmanos comandados por Saladino conquistaram Jerusalém e, não massacraram os cristãos, permitindo que esses morassem na cidade e depois voltassem a Constantinopla. De novo foi organizada uma nova Cruzada, a terceira, em 1189, comandada pelo rei da Inglaterra, Ricardo Coração de Leão, o rei da França, Filipi Augusto, e o imperador alemão, Frederico Barba-Ruiva. Parece que Deus estava já chateado com tanto sangue derramado porque afogou Frederico em um rio da Síria, Filipi ficou cansado e voltou para a França e Ricardo Coração de Leão, embora tenha vencido Saladino duas vezes, não conseguiu retomar Jerusalém. Mas nem tudo foi sangue, Saladino e Ricardo fizeram um acordo para os cristãos poderem entrar na Terra Santa.
            A quarta Cruzada, em 1202, pregada pelo papa Inocêncio III, foi totalmente influenciada por comerciantes venezianos porque facilitava as transições comerciais com outras nações através da liberação do Mar Mediterrâneo. Começou com a tomada de Constantinopla, que estava sob domínio bizantino, promovendo saques pelos cristãos e que até hoje existem em partes da cidade de Veneza. A justificativa do papa Inocêncio III era tentar uma aproximação com a Igreja Ortodoxa que nunca se concretizou.
            Em 1212, aconteceu a Cruzada que mais evidencia o radicalismo religioso e a pobreza de racionalização do homem, a denominada Cruzada das Crianças ou Cruzada dos Inocentes. Esse foi um episódio que mistura fantasia e realidade. Os cristãos passaram a acreditar que as crianças de alma pura poderiam reaver o Santo Sepulcro e, dessa forma, foram obrigadas a migrar a partir da França em direção a Jerusalém. A Cruzada tinha por objetivo converter muçulmanos e tomar de volta a Terra Santa e milhares de jovens foram mortos ou vendidos como escravos para os muçulmanos. Essa Cruzada possui várias interpretações, segundo alguns autores, eram jovens homens, pois o próprio conceito de criança era muito diferente do que é hoje, ou se tratavam de camponeses sem terras que viviam em trânsito ou à beira das estradas, porque essas pessoas eram suscetíveis aos pregadores que dominavam a cena religiosa do período.
            A quinta Cruzada comandada pelo rei da Hungria, André II, e da Áustria, Leopoldo VI, foi um fracasso, com mais mortes em nome da religião. A sexta Cruzada liderada por Frederico II, imperador alemão, usou a diplomacia e conseguiu, por mais incrível que pareça, momentaneamente, o domínio às cidades de Jerusalém, Nazaré e Belém. Logo foram retomadas pelos muçulmanos.
A sétima e a oitava Cruzadas ocorreram entre 1248 e 1254 e foram comandadas por Luís IX, rei da França, que de tanta "piedade" que teve dos muçulmanos acabou virando santo, conhecido hoje por São Luís. Na sétima Cruzada, Luís foi derrotado, acabou preso e seus compatriotas tiveram de pagar uma pesada fiança para livrá-lo. Luís IX morreu de dor de barriga durante a oitava Cruzada na cidade de Túnis, no norte da África.
Eu não entendo como essas religiões podem ser monoteístas com essas atitudes. Um único Deus com dois povos se matando apenas para dominar uma área considerada sagrada pelos dois. Ou esse Deus, que é todo poderoso, gosta de ver batalhas e muita desgraça, ou não é único e está em disputa com seu rival pelos fiéis mortais. Como resultado de tanto descaso com o povo, podemos citar que ocorreu aumento do comércio entre o ocidente e o oriente e da riqueza da burguesia europeia e da Igreja. Alguns dos costumes orientais foram incorporados ao ocidente e produtos novos orientais foram trazidos para a Europa, como arroz, canela, pimenta, cravo, açúcar, algodão, café e perfumes. Em relação à religião, apenas conseguiu aumentar o radicalismo religioso entre as partes envolvidas.

Edson Perrone
ecperrone@gmail.com

Fonte de consulta:
BLAINEY, G. Uma Breve História do Cristianismo. São Paulo. Editora Fundamento Educacional Ltda. 2012.
HOURANI, A. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo. Companhia das Letras. 1991.
MALALOUF, A. As Cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo. Brasiliense. 1998.
PERRONE, E. O outro lado da moeda. São Paulo. Clube de Autores. 2012.
ROBINSON, F. Islamic World, Illustred HistoryReino Unido. Cambridge University Press. 2002.


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