Olá


O Profeta

           O radicalismo religioso é uma praga impregnada na mente dos fracos, que só conseguem ver o que está diretamente na sua frente, desrespeitando totalmente o próximo que pensa diferente. O pensamento típico é: "Eu estou certo e os outros errados", mesmo que o seu modo de pensar não seja dominante na nossa população. Lembro-me da história da mãe olhando o filho desfilando no dia sete de setembro, com o passo errado em relação ao resto da turma e ela falava: "Olha o meu filhinho, o único certo entre todos os outros."

          Esse radicalismo é marcado nos e-mails que recebo. Recentemente, recebi um anônimo que, após elogiar meus textos, despejou todo o seu radicalismo, pedindo-me para deixar apenas uma palavra que virou uma carta. Vamos a um resumo: "Tudo o que o senhor sabe, tudo o que escreve, tudo o que ensina, todas as suas obras, todo o seu viver, estão em registro diante D'Aquele que julgará mortos e vivos no Juízo Final. Não haverá defensor, nem mediador nem quem possa lhe advogar, mas todos seus atos serão pesados na balança da justiça do Eterno e seu juízo será inevitável. Posso lhe parecer mais um louco, mas este étero sobre nossas cabeças, é o grande gravador e filmadora de Deus que grava e filma cada palavra, cada gesto, cada movimento, cada intenção de nossos corações. Assim, no Dia do Juízo, não teremos como negar coisa alguma do que falamos e fizemos." E continuou: "É possível ser um cientista ou detentor de vastos conhecimentos em todas as áreas debaixo do céu sem que isso nos transforme em ególatras e soberbos contra Aquele que um dia nos levará ao seu juízo. Ele é amor, mas também justiça. De tudo o que homem semear, isso também ceifará." E não parou: "Existem decretos divinos que não dependem do homem crer ou não crer. Eles se cumprirão. Um dia será tarde demais para aqueles que disseram duras palavras contra o seu Criador. Este dia está chegando com assombrosa velocidade. O encontro do homem com seu Criador é inevitável seja nesta vida ou após ela, não há como evitar. Assinado: Um profeta."

          Não tenho nada a ver com o pensamento e a religião desse indivíduo. Para mim, ele pode até acreditar no duende do dente ou em Papai Noel, o importante é ser feliz. Agora, achar que estou errado e ser a sua crendice a única certa é demais.

          Geralmente não respondo esses e-mails, não vale a pena, mas por solicitação do meu filho e de alguns amigos, escrevi uma resposta que vou compartilhar com vocês, já que a pessoa que me enviou o e-mail não se identificou. Vamos à resposta.

Senhor Profeta,
          Acho que posso te chamar assim, já que não se identificou e deve ter seus motivos. As diferenças são as grandes maravilhas das nossas vidas. Se fôssemos todos iguais não precisaríamos ter um Deus, porque seríamos, simplesmente, sua cópia fiel. Isso demonstra uma de suas vontades e que a respeitamos a rigor.

          Agradeço sua visita ao meu blog e seu e-mail, porque fomenta minha discussão e gera uma semente para uma nova página. Acho que posso usar como título “O Profeta”, obrigado. Agora vamos ao seu e-mail, onde cita que “... diante D’Aquele que julgará mortos e vivos no Juízo Final.” Você se refere a quem? Ao Deus cristão, aos Deuses hindus, aos budistas, que nem deuses têm, como serão julgados? Ou aos outros deuses diversificados de várias religiões espalhadas nesse nosso mundo? Provavelmente, o Deus cristão, o único capaz de julgar a sua criação, condenando e conduzindo aos “quintos dos infernos” aqueles que pensam diferente.

          Você tem essa postura porque nasceu em um ambiente cristão e foi doutrinado dentro dessa cultura que não reflete a pensamento puro do cristão. Se tivesse, por um simples acaso, nascido na Índia, provavelmente, o seu pensamento seria muito diferente, bem como a sua fé. Quem está certo? No mínimo você vai dizer que está certo porque está escrito na Bíblia, um livro sagrado que rege apenas 1/3 da população mundial, por imposição e com muito sangue derramado. Os outros 2/3 seguem outros livros tão grandiosos quanto a Bíblia e merecem o mesmo respeito, portanto, volto a perguntar: quem está certo? É bom registrar que um dos poucos livros que impõem o medo, principalmente, ao Juízo Final, para manter sob as rédeas suas "ovelhas", é a Bíblia, fato que repudio por ser do bem e ter meu Deus puro, de quem não preciso ter medo, nem quando, acidentalmente, erro.

          Sobre a "egolatria” e a “soberba" descritas no seu e-mail, eu concordo plenamente que você, como exemplo de radical religioso que é, se agarrando nos últimos pilares de conceitos retrógrados, e se cegando para o óbvio como um vírus que destrói a racionalidade, impossibilitado de enxergar o que existe ao redor e se tornando louco em um mundo em mudança e com muitas formas de expressar pontos de vista, se encaixa perfeitamente neste conceito.

        Os “decretos divinos citados que se cumprirão” estão somente ligados à sua fé, o que não representa a fé da maioria da população mundial. Essas ameaças contínuas e irresponsáveis estão atadas ao desespero pela redução da religiosidade mundial, reflexo do aumento da capacidade intelectual e da racionalidade da população. Isso justifica o aumento das Igrejas Evangélicas em áreas de grande pobreza.

          Tenho certeza de que existe um Deus e esse Deus está muito decepcionado com o que fizeram com seus interesses mais íntimos, criando pessoas radicais que só enxergam o que está diante de suas “cabeças de cavalo”, não respeitando as religiões dos outros. No meu modo de ver, sua religião tem a mesma importância que qualquer outra, como a Umbanda, o Espiritismo, entre tantas outras que não, obrigatoriamente, apoio, mas respeito e compartilho da harmonia da fé.

          Como observado, ou existem muitos deuses ou o único Deus foi extremamente criativo para gerar tanta confusão teológica e deve ser um brincalhão com a fé alheia. Portanto, considerando a sua “loucura” religiosa, tenho certeza que meu Deus não é igual ao seu que pune e maltrata o seu rebanho e precisa julgar as atitudes de seus seguidores, com o único objetivo, criado por pessoas com interesses pessoais, de manter uma ordem social.

          Sei que você não vai mudar o seu ponto de vista e nem é meu objetivo que mude. Espero que o seu Deus, no seu Juízo Final, o absolva, porque acredito na pureza de sua fé, entretanto, estou na paz e coloco todas as noites a minha cabeça no meu travesseiro, tendo a certeza absoluta que o meu Deus, que é parceiro, já perdoou todos os meus deslizes e me conforta.

          Com já falei, e-mails como o seu passam a ser ótimas munições para continuar meu trabalho de discutir o radicalismo religioso que tanto abomino e, com fé em Deus, esse posicionamento radical será descartado com o passar do tempo, fato que se reflete no meu blog 
DOGMA, que vem duplicando as visitações por ano e que gerou o livro “O outro lado da moeda”, que em menos de dois anos já está na sua segunda edição.

Paz em seu coração.
Edson Perrone
Um homem (não anônimo) de fé.

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