Olá


Outras frases

           Depois que escrevi o artigo “Presente de Deus”, recebi alguns e-mails sugerindo a continuação da discussão sobre frases usadas no nosso dia a dia. Analisei e verifiquei que realmente usamos frases padrões que são heranças da imposição religiosa. As quatro frases que sempre me chamam a atenção são "Deus lhe pague", "Deus quis assim", "Deus sabe o que faz" e "Graças a Deus". Essas frases são usadas de forma generalizada para santificar uma resposta, dar conforto para alguém ou agradecimento, portanto, acredito que sempre valorizam o lado positivo e, por incrível que pareça, algumas vezes me pego falando. Mas elas são coerentes? Eu acho que não devem ser usadas de forma generalizada, principalmente porque podem desobedecer a um dos mandamentos de Deus "Não tomar seu santo nome em vão" (Ex 20,7).
            A frase "Deus lhe pague" geralmente substitui a palavra "obrigado" que é usada, geralmente, quando alguém recebe um benefício e agradece, mas não é indicado repassar para o coitado do Divino a dívida. Agora, se Deus é todo poderoso, ao invés de pagar a dívida do "fiel", por que ele, antes de todo o problema, não cedeu o benefício para quem estava precisando? Se alguém me pede, por exemplo, um dinheiro emprestado e me agradece dizendo "Deus lhe pague", imediatamente, devo responder "Não! Você me paga quando puder" e penso justificando que não quero entrar na fila financeira do "Banco do Céu" porque não emprestei nada para o Divino e acho que ele não precisa e não tem nada a ver com isso.
            Outras frases frequentemente usadas associadas são "Deus quis assim" e "Ele sabe o que faz". Essas frases eu odeio e, mesmo entendendo o seu lado “positivo”, acho uma falta de respeito com Deus. Eu fico indignado quando, por exemplo, uma criança morre e uma pessoa fala "Deus quis assim... Ele sabe o que faz". Poxa! Deus quis matar aquela pessoa tão jovem? Ele fez intencionalmente? Deus é do mal? Deus gosta de ver as pessoas tristes? Meu Deus não! Esse consolo para mim é uma ofensa.
            Ainda considerando a frase "Deus sabe o que faz", será ela uma verdade? Deus criou tudo e é onipotente, onisciente e onipresente. Isto quer dizer que Deus conhece o presente, o passado e o futuro, sabe de tudo e está presente em todos os lugares ao mesmo tempo, portanto, possui todo o poder do Universo. Com todo esse poder, é muita sacanagem permitir tantas catástrofes que matam e mutilam tanta gente e com tanto sofrimento. Se fosse sua intenção matar seus seguidores, poderia ter criado uma forma menos traumatizante e digna. Mas se Deus criou tudo o que existe, conforme acreditam os criacionistas, as catástrofes naturais como terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas foram projetadas e elaboradas para esse fim, com muita imaginação para o sofrimento do povo. Portanto, Deus sabe o que faz?
            Nessa linha de pensamento, podemos utilizar outro exemplo. Vamos considerar o radicalismo religioso do criacionismo fixista. Esses crentes seguem o gênesis bíblico como única verdade e acreditam que tudo que existe foi criado por Deus e não é alterado desde o momento da criação. Como não pode existir a evolução dos seres vivos, tudo o que existe é obra direta do Criador, portanto, como gostam de citar, toda a perfeição da natureza, toda a beleza é a obra divina. Eu, como biólogo, acho a natureza linda, mas cheia de imperfeições e que trava uma luta diária para a sobrevivência. Como justificar o motivo desse Criador em originar parasitas tão feios e com a única finalidade de causar danos à nossa saúde e muito sofrimento? Entre milhares de exemplos, eu fico imaginando Deus projetando e criando uma espécie de besouro para colocar seus ovos dentro de uma aranha para que as larvas devorem lentamente seus tecidos ainda viva. Deus sabe o que faz? Se sabe, além de criar coisas belas, é muito brincalhão e gosta de ver muito sofrimento e tristeza.
            Agora vamos analisar uma frase bem popular "graças a Deus". Eu acho que essa frase é para substituir a palavra "Ufa!", portanto, é usada quando alguma coisa que estava dando errado se conserta, quando achamos algo perdido, quando algo desfavorável melhora, etc. Na maioria dos casos, Deus não tem nada a ver com a frase, mas é dado a Ele o mérito. Quando alguém se cura de uma bacteriose grave, os amigos e familiares dizem "graças a Deus", mas deveriam dizer "graças aos antibióticos", porque a única salvação dessa pessoa foi a droga, sem ela Deus não poderia fazer nada, ou melhor, foi o culpado por ter criado a bactéria. Eu não estou discutindo a fé das pessoas. Eu sou uma pessoa de fé, mas não sou irracional. Sei que alguns vão dizer que se Deus não ajudasse poderia ser pior, então Deus, com toda a sua bondade, deveria salvar todas as pessoas e não deveria criar os agentes etiológicos que provocam tanto sofrimento. Onde está o limite da vida e morte nesse caso, na ação do antibiótico e na gravidade da doença? Mas já sei que muitos vão pensar que não devemos questionar os objetivos de Deus. É assim porque é. Deus tem seus mistérios e o homem não deve questionar e, como não nado contra a correnteza, quem quiser que mantenha o seu paradigma.
            Ainda seguindo o discutido acima, é interessante observar o comportamento de alguns pastores dessas igrejas “evangélicas” que pregam até a cura milagrosa de tudo e de todos (Leia “A Tenda dos Milagres). Em destaque, um pastor famoso e televisivo, que mesmo "acreditando" no poder de Deus em suas mãos, fazendo curas milagrosas, quando teve problemas de saúde, apostou na medicina tradicional e foi operado no Hospital Albert Einstein. Portanto, esse pastor não acredita na frase “Deus sabe o que faz”, na sua cabeça são os médicos que sabem. Lógico que vai dizer justificando que “Deus quis assim”.
            Para finalizar, graças a Deus fui iluminado para escrever esse artigo que só aconteceu porque Deus quis assim e ele, com certeza, sabe o que faz e que seria importante essa divulgação e reflexão. Se você pensa diferente, graças a Deus, poderemos um dia discutir o assunto e ampliar nossos pontos de vista. Deus lhe pague por ter a paciência de ler esse artigo.

Edson Perrone
ecperrone@gmail.com

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