O
radicalismo e o preconceito são fortes parceiros e se tornam armas nas mãos de
oportunistas que se julgam os donos da verdade e se fecham dentro das trincheiras
de seus dogmas e paradigmas. Assistimos recentemente um dos piores episódios
dessa demonstração com a intenção de implantação do chamado "cura gay"
na saúde pública, por um político que representa uma facção sinistra de
religiosos, pobre de sentimento e infértil de cultura. Certo de que essa
proposta não reflete o interesse da população brasileira, abismado, fui buscar
informações que pudessem solidificar meu ponto de vista sobre o assunto.
Segundo
dicionários da língua portuguesa, a homossexualidade refere-se aos que se
sentem atraídos sexualmente ou emocionalmente e praticam relações sexuais com
pessoas do mesmo sexo. O termo
homossexual foi cunhado por Karl-Maria Kertbeny, em 1868, para descrever
atração sexual pelo mesmo sexo e o comportamento sexual em humanos. A
homossexualidade é uma das quatro principais categorias de orientação sexual,
juntamente com a bissexualidade, a heterossexualidade e a assexualidade.
Segundo Max Harrold (1999), ela pôde ser registrada em cerca de cinco mil
espécies animais, sendo bem estudada e devidamente comprovada em, no mínimo,
200 delas. Já Bruce Bagemihl (2000) mostra que o comportamento homossexual já
foi observado em cerca de 500 espécies. Uma revisão feita em 2009 mostrou que o
comportamento homossexual é um fenômeno quase universal no reino animal, comum
em várias espécies, sendo um comportamento sexual evidente em espécies sociais.
Segundo Simon LeVay (1996), a prevalência da homossexualidade entre os humanos
é difícil de determinar com precisão na atualidade. Segundo Billy et al (1993),
Binson et al. (1995), Fay et al. (1989), Lauman et al. (1994), Sell et
al. (1995) e Wellings et al. (1994), existe uma estimativa de 2% a 13% de indivíduos
homossexuais na população enquanto outros estudos sugerem que aproximadamente
22% da população apresenta algum grau de tendência homossexual.
Ao longo
da história da humanidade, os aspectos individuais da homossexualidade foram marcantes
e ninguém saía dizendo por aí que fulano era gay, mesmo que fosse. Por muito
tempo o amor entre iguais era tão comum que não existia nem o conceito de
homossexualidade. Como podemos lembrar, no exército grego espartano, que tinha treinamento
militar inigualável e com dedicação de toda uma vida, aqueles que participavam
da rotina de batalhas apresentavam comportamento homossexual comum estreitando
os laços com os guerreiros e mantendo o exército coeso. Portanto, um conceito diferente do nosso atual
que é caracterizado pelo frágil ou feminino. Como forma de registro, o general espartano
Pausanias, sucessor de Leônidas, defendeu a prática homossexual como sendo uma
forma de expressão amorosa superior.
Em Atenas, para a
educação dos jovens, esperava-se que os adolescentes aceitassem a amizade e os
laços de amor com homens mais velhos, para absorver suas virtudes e seus
conhecimentos de filosofia. Após os 12 anos, desde que o garoto concordasse e
tivesse a aprovação da família, transformava-se em um parceiro passivo até por
volta dos 18 anos e, geralmente, aos 25 tornava-se um homem assumindo o papel
ativo, portanto, como podemos observar, essa atitude homossexual na cultura
grega era considerada normal.
Podemos buscar
exemplos bem mais antigos, com cerca de 10 mil anos, como os das tribos das
ilhas de Nova Guiné, Fiji e Salomão, no Oceano Pacífico, onde já exercitavam
algumas formas de homossexualidade em rituais, acreditando que o conhecimento
sagrado só poderia ser transmitido por meio do coito entre duplas do mesmo
sexo. Na antiga Mesopotâmia, há cerca de 1750 a.C., o imperador Hammurabi
elaborou leis com privilégios aos homens e mulheres que praticavam sexo com o
mesmo gênero dentro dos templos da Mesopotâmia, Fenícia, Egito, Sicília e Índia.
Os povos antigos
encaravam com naturalidade o amor entre pessoas do mesmo sexo tendo como base as
suas crenças. Considerando a mitologia grega, romana ou entre os deuses hindus
e babilônios, a homossexualidade existia, principalmente, porque muitos deuses
não tinham sexo definido e alguns, como Ganesh, até foram originados de uma
relação entre duas divindades femininas. Não é nada difícil perceber que, na antiguidade,
o sexo não tinha como objetivo exclusivo a procriação. Isso começou a mudar com
o surgimento do cristianismo. Aqui temos um ponto de reflexão. Quem está certo?
Quem segue a Bíblia ou as outras religiões? Depende de como você foi
doutrinado. Não podemos ser radicais e dizer que estamos certo e todos os
outros estão errados.
Ser
gay é um desvio? As principais organizações mundiais de saúde, incluindo muitas
de psicologia, não consideram a homossexualidade uma doença, distúrbio ou
perversão. No Brasil, em 1984, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
posicionou-se contra qualquer discriminação sexual e, em 1991, a Anistia
Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma
violação aos direitos humanos.
Uma
pergunta frequente que tenho respondido como professor de zoologia é sobre as
relações homossexuais entre animais. Esse comportamento pode ser visto como um
argumento a favor ou contra a aceitação da homossexualidade em humanos e tem
sido usada especialmente contra a alegação de que é um pecado contra a
natureza. Considerando a definição do termo contida nos dicionários da língua
portuguesa, da minha experiência como biólogo e do uso do termo em conformidade
com a pesquisa moderna, vamos considerar homossexual o comportamento sexual onde
a cópula, estimulação genital, rituais de acasalamento e comportamento de
exibição sexual ocorram entre animais do mesmo sexo. Portanto, como já citado e
nos vários artigos listados, existem várias espécies de animais com esses
comportamentos.
No estudo sobre o assunto foi observado que
nem todo ato sexual tem uma função reprodutiva, portanto, é uma ação comum
entre os seres humanos e não humanos. Essa atividade parece comum entre as aves
e os mamíferos sociais, particularmente os mamíferos marinhos e os primatas.
Entre tantos exemplos, vamos citar os bisões que fazem sexo anal com membros
inferiores do grupo para suprir a falta de fêmeas, que só ficam disponíveis uma
vez ao ano para a reprodução. Entre as girafas, nove em cada dez casais são
formados por machos e com consumação do ato sexual. Os macacos bonobos machos e
fêmeas apresentam comportamento gay por puro prazer, principalmente, entre as
fêmeas. Cerca de 30% dos casais de albatroz-de-laysan são formados por fêmeas. Entre
as ovelhas, cerca de 10% dos machos se recusam a acasalar com fêmeas, mas
prontamente se acasalam com outros machos. Golfinhos machos geralmente são bissexuais, mas
eles passam por períodos exclusivamente homossexuais, com sexo oral durante o
qual um golfinho estimula o outro com seu focinho.
Além da homossexualidade,
existem muitos animais que trocam de sexo sem precisar de cirurgias complexas
como fazem os humanos, são apenas processos naturais. Vou começar citando o
peixe-palhaço, do gênero Amphiprion,
que é macho por certo tempo e logo vira fêmea. Existem cardumes que são
dominados por uma fêmea chefe que quando morre, é substituída por um macho que
passa a ser fêmea. Outras espécies de peixes só definem o sexo na adolescência
visando manter uma igualdade na proporção de machos e fêmeas no cardume. O
estudo de Brown et al. (2002) mostra que algumas espécies de sapos machos
possuem o órgão de Bidder que, sob as condições certas, se transforma em ovário
ativo, e o sapo torna-se fêmea. Essa mudança de sexo pode ser observada em
répteis da Austrália, que são concebidos com um sexo geneticamente definido,
mas uma mudança de temperatura ambiental pode levar o organismo a ignorar a
programação do DNA e alterar o sexo ao longo do desenvolvimento. A equipe
espanhola do Conselho Superior de Investigações Científicas descobriu que as
fêmeas do peixe robalo se transformam em machos somente com o aumento da
temperatura ambiental.
Os
casos e estudos sobre animais homossexuais se tornaram tão comuns que o Museu
de História Natural de Oslo, na Noruega, apresentou, em 2006, uma exposição
dedicada a "animais gays", que foi chamada de "Against Nature?",
exibindo cerca de 500 espécies entre as quais existem relatos de comportamento
homossexual de um universo de 1.500 relatos, desde vertebrados até animais
muito simples. Essa exposição recebeu críticas violentas daqueles que não
conseguem enxergar além de seu nariz, rogando pragas como "vocês vão
queimar no inferno" e que essas atitudes são "contra a natureza".
“Queimar no inferno” só vai quem carrega o medo impregnado com conceitos
retrógados limitados à sua seita e ser “contra a natureza” é falta de
conhecimento sobre história natural e, seguindo o ponto de vista criacionista
fixista dos religiosos radicais, se Deus criou todos os seres vivos inclusive o
homem, o padrão homossexual não foi e nem poderia ser economizado. É um absurdo
querer se posicionar contra o óbvio que ilumina os mistérios da vida.
Esses comportamentos radicais são promovidos por
pessoas pobres de cultura que não conseguem observar e aceitar o que acontece
ao seu redor. Uma reportagem da BBC Brasil cita que comportamentos que parecem
“imorais” aos olhos de alguns são inconvenientes para quem ignora os últimos
dois milênios de filosofia e ainda acha que a Natureza reflete a mente de um
Criador que pensa da mesma maneira que seus “representantes”. Entretanto, e
curiosamente, essas pessoas costumam usar a palavra “antinatural” para condenar
aquilo do que discordam. Infelizmente, existem sempre falsos profetas por aí
que querem impor sua visão de mundo a quem dela não compartilha, apelando para
a vontade divina e o que é “natural”.
Muitas seitas impõem posições radicais contra os
homossexuais citando Mateus 26, 41, “Vigiai e orai para que não entreis em
tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” e do Levítico 18, 22
“Não te deitarás com um homem, como se fosse uma mulher: isso é uma
abominação”. As palavras da Bíblia são usadas como argumento para embasar o
preconceito. Tenho certeza da bondade de Deus e que esse preconceito não faz
parte da sua vontade. Para esses “evangélicos”, na escala de malfeitorias, um
homossexual está na mesma categoria do ladrão e do assassino. Todos são
pecadores mortais, mas consideram que Deus é misericordioso e não discrimina
ninguém, desde que a pessoa liberte sua alma do diabo. Alguns acreditam que os
homossexuais sofreram alguma macumba e têm influências de forças malignas e vão
acabar no inferno. Mas como pregam que “com muita oração, renegando os amigos
homossexuais e tirando a influência de qualquer magia negra, é possível um gay
se casar e ter filhos.”
O difícil é entender como podem existir pessoas tão
fechadas dentro de seus castelos imaginários que usam como telhados as citações
bíblicas como se fossem as verdades supremas, desrespeitando a cultura de
muitos povos e suas religiões. Sempre tentam justificar que não existem animais
homossexuais porque não ocorre conjunção carnal entre eles, o que não é verdade
e foi citado neste artigo. Justificam citando que o arquiteto que os projetou não
os fez para cruzarem entre o mesmo sexo, portanto, mais um erro conceitual
desses religiosos ignorantes (leia o artigo “O Design Inteligente”). A falta de capacidade mental
é tão grande que querem comparar o comportamento humano com o comportamento dos
animais. Não podemos nem comparar o comportamento entre pessoas de culturas
diferentes. Como exemplo, vamos analisar o terceiro gênero (sexo) comum na
Índia, Paquistão, Polinésia e nos Balcãs, que é um estado intermediário entre
homens e mulheres. Essas pessoas, que na sua cultura são normais,
provavelmente, serão consideradas pelos homofóbicos religiosos como doentes ou que
estão dominados pelo capeta. Eu acho que doenças são o preconceito e o
radicalismo religioso que deveriam ser analisados pela saúde pública para criar
meios de tratamento e tentar salvar, desse transe, as crianças que ainda são
puras.
A maldade, ligada ao preconceito, só existe na
cabeça de alguns pobres de visão que se limitam às suas crendices que são como
um vírus que danifica o cérebro, impedindo a observação do lógico e sano.
Alguns se fecham dentro do seu mundo restrito e limitado pelas muralhas de suas
seitas e passam a acreditar nas suas "verdades" devido aos poucos
aplausos que ecoam provenientes de pessoas que foram, da mesma forma,
contaminadas. Esquecem-se da bela diversidade cultural existente e das inúmeras
religiões que pensam diferentes. Não conseguem enxergar a riqueza da nossa
diversidade animal e amputam as novidades apresentadas pela ciência. Limitam-se
ao que está escrito no seu livro sagrado como se fosse uma verdade universal,
tentando implantar uma nova Cruzada contra aqueles que não são iguais. Você
pode não concordar com a homossexualidade, o que é normal, mas não deve permitir
a insanidade do preconceito. Esse preconceito associado ao radicalismo
religioso é a verdadeira doença da alma que deve ser rapidamente erradicada
para o bem da humanidade.
Edson
Perrone
ecperrone@gmail.com
BILLY, J. O. G., Transfer, K., Grady, W. R., &
Klepinger, D. H. The sexual behavior
of men in the United States. Family Planning Perspectives, 25, 52 - 60.
1993.
BINSON, D., Michaels, S., Stall, R., Coates, T. J.,
Gagnon, & Catania, J. A. Prevalence and social distribution of men who have
sex with men: United States and its urban centers. Journal of Sex Research, 32, 245 - 254. 1995.
BROWN, F. D; Eugenia M del P., Georg K. Bidder's
organ in the toad Bufomarinus: effects of orchidectomy on the morphology and
expression of lamina-associated polypeptide 2. Development, Growth & Differentiation 44 (6): 527 - 535.
2002.
BAGEMIHL, B. Biological
Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity. Stonewall Inn
Editions. 2000.
FAY, R.E., Turner, C.F., Klassen, A.D., Gagnon,
J.H. "Prevalence and patterns of same-gender sexual contact among
men". Science 243 (4889):
338 - 48. 1989.
HARROLD, M. Biological
Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity. The Advocate,
reprinted in Highbeam Encyclopedia. 1999.
LAUMANN, E. O., Gagnon, J. H., Michael, R. T.,
& Michaels, S. The social
organization of sexuality: Sexual practices in the United States.
Chicago: University of Chicago Press. 1994.
SELL, R.L., Wells, J.A., Wypij, D. The prevalence
of homosexual behavior and attraction in the United States, the United Kingdom
and France: results of national population-based samples. Arch Sex Behav: 24 (3): 235 - 48. 1995.
WELLINGS, K., Field, J., Johnson, A., &
Wadsworth, J. Sexual behavior in
Britain: The national survey of sexual attitudes and lifestyles.
London, UK. Penguin Books. 1994.
- VOLTAR -
Nenhum comentário:
Postar um comentário